Esses dias, depois de tantos posts defendendo e condenado a descriminalização do aborto, um homem do meu círculo de amigos defendeu suas idéias com o argumento de que “a natureza é machista”, já que naturalmente, a mulher carrega o maior peso durante a gravidez.
E aí, depois de muito refletir sobre o assunto, comecei a viajar penando em como seria uma gravidez e, em seguida, a maternidade (e a paternidade) em um mundo não regido pelas leis, amarras, organização social e estrutura machistas. Será que a natureza é mesmo machista?
Bom, é fato que a gravidez é mais pesada para a mulher, que carrega o peso do bebê, sofre uma mutação gigante no seu corpo, sente dores, cansaço, enjôos, tonturas, tem mudanças drásticas de humor por conta dos hormônios. O homem, por outro lado, não passa por nada disso e, como muitos relatam, só passam a se sentirem pais depois que a cria nasce.
Mas e se o mundo não fosse machista, será que seria assim?
Gravidez no mundo machista:
A mulher se descobre mãe e se preocupa: será que o meu parceiro vai gostar? Será que vai me apoiar? Será que meu filho vai poder contar com o pai? como será que ele (parceiro) vai lidar com a gravidez? – sim, isso passa na cabeça de praticamente todas as mulheres, mesmo que a gravidez seja planejada.
E muitos pais simplesmente abandonam a mulher e o futuro bebê, assim que descobrem. No Brasil, 5,5 MILHÕES de bebês não possuem o nome do pai em seus registros.
E aí começam as mudanças em seu corpo e ela sofre. Muitas vezes chora. Por mais que muitas pessoas digam que a gravidez é linda e que muitas mulheres consigam se sentir assim, a maioria de nós sofre e se acha horrível, pelo menos durante vários momentos da gravidez (no meu caso foram, pelo menos, nos últimos 6 meses).
E, somado a isso tudo, surgem as mudanças de humor (por conta de mudanças hormonais e stress), um sono impossível de segurar, inchaço por causa de retenção de líquido. E a mulher precisa continuar sendo sexy, interessante, competente no trabalho, mantendo a casa em ordem, “cuidando do marido” e mais: precisa começar a se preparar para ser mãe. Precisa preparar o seu parceiro, pelo menos minimamente, para ser pai. É dela a responsabilidade de estudar sobre a vida com o bebê, se informar, levar seu marido para os cursos, disponibilizar todo tipo de informações sobre paternidade para ele, prepará-lo psicologicamente, montar e planejar o enxoval.
Claro que há homens que não são assim, mas eles são excessão. E pior: são vistos como heróis, como se os outros é que fossem os normais.
Gravidez num mundo não-machista:
A mulher se descobre grávida e sabe que tem o apoio integral de seu parceiro, que nem se preocupa se vai ser um menino ou uma menina. Afinal, qual a diferença? O corpo da mulher muda e o homem acompanha atentamente. Ele serve de apoio para ela, nos momentos de fragilidade física. Ela serve de inspiração para ele, por sua força e por sua disposição. Ele acha as mudanças do corpo dela incríveis e continua a desejando, como sempre – nem mais, nem menos. Ela se orgulha de estar com aquele barrigão e sabe que essa é apenas uma das milhares de mudanças que seu corpo vai carregar ao longo da vida. E como são lindas essas mudanças, as marcas, as cicatrizes!
Nos momentos que ela não pode trabalhar por não estar muito bem fisicamente, a empresa entende, apóia e dá suporte; afinal, ela está trazendo mais uma vida para esse mundo. Só ela pode fazer com que o mundo continue existindo e sendo mundo.
O marido aprende a fazer massagem para aliviar seus pés inchados e cansados. Ele conversa com o bebê ainda na barriga, se solidariza com o cansaço dela, dá um forte abraço sem exigir mais nada. Estende a roupa, lava a louça, leva o lixo. Sem perguntar. Ela não precisa de ajuda, ela precisa de um companheiro, de alguém que divida com ela toda a experiência, as alegrias, os medos e as ansiedades.
E ele se conecta com o bebê e seu corpo sente. Ele sente que já é pai. Ela sente que já é mãe. Se ela leva o peso do bebê em seu corpo, ele se encarrega de muitas outras funções, como ajeitar a casa para a chegada do bebê, resolver as pendências domésticas, levar o cachorro para passear, preparar o jantar. A carga é dividida, assim como as alegrias.
Se há qualquer tipo de insegurança ou de medo, eles conversam. Ele não precisa ter medo de expor seus sentimentos, pois ele não é mais forte do que ela e os dois sabem disso. Eles podem dividir tudo e por isso, tudo se torna mais fácil e mais leve.
Nem vou entrar no mérito do parto, que em grande parte dos casos é regado de machismo, de negação do poder da mulher. Vamos pular e falar direto do puerpério, que é um dos períodos mais difíceis da vida de uma mulher.
Puerpério no mundo machista
E então o bebê nasce.
Se não bastasse ela precisar colocar em prática tudo o que só ouviu na teoria, para logo descobrir que a teoria não se aplica a quase nada, ela ainda precisa cuidar de outras coisas: seu parceiro está surtando. Ele pode estar enciumado, ou pode estar distante, ou pode estar chateado com ela, pois ela está diferente, não lhe dá mais tanta atenção e parece sempre nervosa. A casa está uma bagunça. Ele até tenta participar mais ativamente da vida daquele bebêzinho, mas ele se sente tão perdido! Ele não entende como é possível cuidar de um bebê tão pequeno e frágil, ele morre de medo, mas não pode falar. O que vão pensar dele? Que é um fraco?
“A mulher brincou de boneca a vida inteira, tem a maternidade no sangue. O homem não. O homem vira pai só quando o bebê nasce. E olhe lá.”
E a mulher… está toda descabelada, inchada, com a barriga flácida. E ela se cobra e é cobrada: amamente, pois assim você emagrece! Você pode arranjar um tempinho para se exercitar. Calma, logo você volta ao seu peso “normal”!
E ela precisa amamentar. Ela QUER amamentar… mas dizem que seus seios ficarão flácidos, que vão cair. E ela sente medo, tristeza. Quem gosta de mulher de peito caído? E ela chora ao se olhar no espelho. Ela chora por causa da nova estria que apareceu na barriga: não era só durante a gravidez?
E se ele não gostar mais do meu corpo? E se ele arranjar outra?
(E muitas vezes, ele arranja outra. Outras vezes, ele nem arranja outra, mas ele quase arranja outra. Outras vezes, ele deseja outra e rejeita sua mulher, tão estranha e chata que se tornou!)
E ela continua tentando amamentar. Dizem que seu leite é fraco e ela se sente impotente. E eles dizem para ela que o leite em pó é melhor, mais forte e que dá mais sustância. Principalmente se o filho for menino, né? Menino não se satisfaz com o leite da mãe.
E o pai fica atônito: será que é mesmo tão difícil amamentar? E ele se incomoda de vê-la o dia inteiro com os peitos de fora: parece uma índia! E ele se incomoda que outras pessoas vejam os seios de SUA mulher. Isso é absurdo. Ele se refugia no trabalho, no novo curso, no jogo de futebol. Tudo é motivo para voltar mais tarde pra casa.
Ela se sente humilhada pelos olhares tortos quando tem que amamentar seu filho em um restaurante.
Mulher que tem filho pequeno não pode ir à restaurantes! Cubra-se! Sua sem-vergonha. Seus peitos servem para satisfazer o homem. Satisfaça seu dono marido (mas em silêncio!), não o envergonhe! Seios não servem para amamentar. Pare! Não estrague seus lindos e firmes seios, o leite artificial é tão bom quanto o materno! Amamente! Seu filho precisa de você!
E além de tudo, ainda tem a dor. Como ela não pode ficar de seios de fora, muito menos antes de ter o bebê, ela não se preparou. Não tomou sol, não fortaleceu o bico do seio. E eles racham, sangram. E ela deve amamentar – ela chora de dor, se agarra no braço da poltrona, contrai os pés a cada sugada do bebê. Mas conforme ele vai mamando, a dor diminui e fica até suportável. São só algumas semanas – ou meses.
O leite desce, algumas vezes empedra e vem a febre. Uma febre que dói a alma e ela não quer nem se levantar. Mas ela precisa. Ela tem que amamentar a cada 3 ou 4 horas. Inclusive de madrugada. E como é ela que está de licença, seu marido dooooorme para aguentar o dia seguinte, enquanto ela, que está passando por um dos períodos mais difíceis de sua vida, acorda, pega o bebê, amamenta, faz arrotar, coloca para dormir, checa a respiração. E aguenta o dia seguinte.
E depois que passa o primeiro mês, ela começa a se perguntar: será que devo cuidar de meu filho ou devo cuidar de minha carreira? Porque não existe meio termo para ela. Ela precisa escolher. Seu marido não precisa se preocupar com isso – a não ser com a parte financeira, pois se a mulher parar de trabalhar, quem vai precisar bancar tudo é ele. Ninguém quer mulher dependente!
E mais uma vez ela chora: ela quer trabalhar, quer ter sua dignidade, seu dinheiro, quer se satisfazer profissionalmente. Mas ela também quer cuidar de seu filho, ver os primeiros passos acontecerem, saber os horários que ele dorme, o que gosta de comer, ouvir a primeira palavrinha. Ela quer ser mãe e exercer a maternidade. Mas ela precisa escolher, porque não existe outra possibilidade.
Ela escolhe e chora. E seja lá qual for a escolha que fez, ela se sentirá culpada e será julgada por todos. Ou é péssima mãe, ou é péssima profissional, uma mulher fraca.
Puerpério num mundo não-machista
E então o bebê nasce.
O pai, que acompanhou todo o trabalho de parto, participou ativamente, pega o bebê nos primeiros instantes de vida e compartilha com a mãe aquele momento pleno, de milagre da vida. Eles geraram juntos um ser humano!
Ele está maravilhado. Entrega o bebê para a mãe, a aconchega em seus braços e ajuda na amamentação. Ele também se preparou, ele sabe olhar e corrigir a pega. Depois de longos minutos com o bebê aconchegado ao peito, a mulher quer tomar um banho. Seu parceiro então assume o cuidado da cria recém-chegada, aconchega…
Os primeiros dias com o bebê são intensos, mas cheios de descobertas para o pai e para a mãe, que estão juntos, de licença durante os 3 primeiros meses. Eles trocam fraldas, dão banhos, conversam sobre o futuro, acordam de madrugada. A mãe amamenta, enquanto o pai lhe traz um copo d’água e algo para comer, limpa a casa, faz a comida e lida com as visitas.
Ao final do dia, quando o bebê finalmente dorme, os dois relaxam juntos.
Nos momentos difíceis da amamentação, ele a aconselha e encoraja. Ele a ajuda a acreditar em si e em seu poder, ele a ajuda a encontrar a melhor posição, a encoraja a ficar com os seios de fora para facilitar o processo. E se o leite empedra e ela tem febre, ele lhe faz compressas, lhe ajuda e lhe dá apoio psicológico, além de assumir qualquer tarefa que ela não esteja em condições de assumir.
Nos dias mais tranquilos, saem juntos para se distraírem e para passearem com o bebê, sempre que possível. Ela o amamenta em qualquer lugar, a qualquer sinal de fome.
Passados os 3 primeiros meses, o pai volta a trabalhar pelos 3 meses seguintes, enquanto a amamentação é exclusiva. A mãe permanece de licença. Ao fim dos 6 meses, a licença passa a ser compartilhada e eles podem escolher a melhor forma de atender a família, até que o bebê complete 2 anos. Se o homem estiver de licença, a mulher trabalha. Se for ela quem estiver de licença, ele é quem trabalha.
Será que a Natureza é, de fato, machista?
Não, a Natureza não é machista. A natureza é Perfeita.
A mulher tem o PODER de gerar uma vida, de carregar em si o futuro da humanidade, de gerar todo o alimento que aquela criança vai precisar pelos primeiros seis meses de sua vida. Isso é um PODER e não um fardo. O que é fardo é o cansaço físico e mental causado pelas regras machistas: a mulher precisa continuar linda, precisa se preparar para 90% dos cuidados com o bebê, precisa lidar com a pressão de ter que decidir entre carreira e maternidade…
Se a sociedade não fosse machista, tudo seria muito diferente. A parte difícil não seria tão difícil afinal, pois seria compartilhada. Se os direitos fossem iguais, tudo seria imensamente mais fácil e leve para a mulher.
Quem faz com que a gravidez seja difícil não é a natureza, é o homem.
Portanto machista, meu amigo, é você.
FOTO: http://tatimartins.com.br/
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